Artigo

Primeiro de maio: glória às lutas inglórias

1.maio.2020
Primeiro de maio: glória às lutas inglórias

“A formação da cidade negra é o processo de luta dos negros no sentido de instituir a política — ou seja, a busca da liberdade — onde antes havia fundamentalmente a rotina.”
(Sidney Chalhoub – Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas de escravidão na Corte)

Rememorar a luta dos trabalhadores no Brasil deve significar também resgatar a trajetória dos grupos ausentes da historiografia clássica da regulação do trabalho. Enquanto ainda hoje se enfatiza o papel desempenhado pelos imigrantes europeus na construção da legislação social brasileira, percebe-se uma ausência de reflexões a respeito de como as populações escravizadas, ao lado de negros libertos e pobres buscaram construir um patamar mais justo de relações de trabalho por meio da afirmação de direitos.

Eventos como a Revolta dos Malês, em 1835, e a Greve de Ganhadores em Salvador, em 1857, os relatos das múltiplas estratégias desenvolvidas no cotidiano da classe trabalhadora no período e a utilização do sistema de justiça para a busca de garantias mínimas nas relações entre trabalhadores e seus exploradores demonstram que a articulação da linguagem dos direitos no campo do trabalho encontra bases que precedem a hegemonia do dito “trabalho livre” nas grandes cidades.

A consciência do papel desempenhado pelas populações negras é fundamental para que não se repitam as práticas que retiram dos grupos mais explorados de trabalhadores a agência que decorre da sua luta por reconhecimento de direitos. Além disso, tal consciência permite compreender as bases do contexto atual de desigualdades no interior do mercado de trabalho e refletir a respeito do papel das instituições jurídico-políticas no acesso e na negação de direitos.

Negar o protagonismo do grande contingente de trabalhadores negros e omitir a complexidade da história racial das relações trabalhistas no Brasil corresponde a promover uma segunda desumanização. A primeira certamente consistiu na negação formal de autonomia pela ordem jurídica de base escravista. É preciso impedir que ela se renove por meio do silenciamento do exercício dessa autonomia como um fato social dentro e à margem da legalidade institucional.

Artigo de João Gabriel Lopes, Sócio-Coordenador da Unidade Salvador. Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Transformações do Trabalho, Democracia e Proteção Social (UFBA).

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