O calendário eleitoral em tempos de pandemia
A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) alterou, em pouco tempo, a estrutura da nossa sociedade, com impactos sociais, econômicos e jurídicos imediatos. Dentre tantas mudanças observadas, um tema tem trazido bastantes questionamentos: a possível necessidade de alteração da data das eleições marcadas para outubro de 2020.
Tão logo a crise na saúde começou a se mostrar maior do que a inicialmente esperada por parte dos atores políticos, preocupações quanto ao calendário eleitoral foram surgindo, bem como foram ressuscitados debates que já haviam sido finalizados no ano passado, quando da aprovação da reforma eleitoral.
Com as incertezas quanto à extensão do período de isolamento social, necessário para a contenção da contaminação, dúvidas relacionadas a eventual impacto de tal situação no período eleitoral são naturais. Afinal, o calendário eleitoral para as eleições municipais de 2020 foi estabelecido pela Resolução nº 23.606, de 17 de dezembro de 2019, do Tribunal Superior Eleitoral, e algumas etapas importantes já eram previstas para ocorrer em abril de 2020.
Desde o início da crise, observou-se a atuação diligente e imediata do Tribunal Superior Eleitoral, como quando promoveu o adiamento das eleições suplementares para uma vaga do Senado que ocorreriam no Estado do Mato Grosso, em 26 de abril de 2020, antes mesmo do início do período de propaganda eleitoral – que se iniciaria em 18 de março de 2020. Ainda, foram providenciadas medidas para o funcionamento de plantão extraordinário do Tribunal, bem como a instituição de Grupo de Trabalho, em 06 de abril de 2020, que promoverá relatórios semanais para monitoramento de possíveis impactos da COVID-19 no calendário eleitoral.
Apesar disso, o Tribunal tem se manifestado no sentido de que, por ora, qualquer alteração do calendário das eleições é medida prematura, pois o período do calendário eleitoral que pode demandar maior contato interpessoal, com potencial formação de aglomerações, inicia-se apenas em de 16 de agosto de 2020, quando autorizadas as propagandas eleitorais, com comícios, passeatas, carreatas e distribuição de materiais de campanha.
Até lá, a compreensão tem sido a de que todos os demais compromissos poderiam ser viabilizados, mesmo em meio ao necessário isolamento que enfrentamos, como se observou quando da consulta enviada pelo deputado federal Glaustin Fokus (PSC/GO), e também em decisão liminar dada na ADI 6359, oportunidades em que se decidiu que o prazo de filiação partidária, alteração do domicílio eleitoral e desincompatibilização do candidato, deveria ser mantido em 04 de abril de 2020.
Em contrapartida, alguns parlamentares e dirigentes partidários já estimam o adiamento do 1º turno das eleições para 15 de novembro de 2020, caso a pandemia não arrefeça até junho. Tal possibilidade, inclusive, já foi admitida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, próximo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Numa análise mais pragmática, ante o fato de que foram mantidas, por ora, todas as datas inicialmente estabelecidas, mesmo diante da pandemia desencadeada pelo coronavírus, é de se esperar que, ao menos até o mês de junho de 2020, a utilização do calendário inicialmente proposto seja a tônica do Tribunal Superior Eleitoral e também de senadores e deputados federais.
Afinal, o novo prazo que pode trazer maiores discussões, especialmente em razão de se poder utilizar o argumento do isolamento social como um obstáculo, é o da realização das convenções partidárias, que definirão formalmente quem serão os candidatos de cada agremiação. Conforme a Resolução nº. 23.606, esse período estaria compreendido entre os dias 20 de julho e 05 de agosto de 2020 e, a despeito de já haver debates quanto à possibilidade de realização virtual das convenções, é bastante possível que este se torne um marco relevante na discussão de eventual adiamento de todo o calendário.
Pouco após tais datas, já se inicia o período mais intenso de campanhas eleitorais – as quais, nas eleições municipais, possuem forte característica de formação de aglomerações, com um corpo a corpo bastante intenso por parte dos candidatos e toda a comunidade. Eventual alteração, muito possivelmente, deverá ter ocorrido até este momento.
Certo é que existe uma tendência ainda muito forte de plena manutenção de todo o calendário. Isso se deve ao fato de que, em outros países em que 2020 também é ano de eleição, eventuais alterações de calendários eleitorais têm levado a remarcações para os meses de outubro e novembro. Desse modo, como as eleições no Brasil já são previstas para o mês de outubro, mostra-se viável, pelo menos a princípio, a decisão, por parte das autoridades responsáveis, de manutenção das datas originais estipuladas pelo calendário eleitoral.
É importante ter em mente que eventuais alterações das datas das eleições ou do calendário em si necessitariam de alterações no texto constitucional ou em leis federais, o que pode gerar discussões eventualmente consideradas oportunistas. É que, apesar de a discussão por ora se centrar em eventual necessário adiamento das eleições para alguma data ainda em 2020, já há grupos que buscam fazer ressurgir o debate da unificação das eleições municipais com as eleições gerais de 2022, com necessária prorrogação de mandatos dos atuais prefeitos – algo que já havia sido sepultado após a rejeição da PEC 376/2009, em junho de 2019, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
O momento exige, portanto, cautela na discussão do calendário eleitoral. Este é, por ora, o comportamento que se observa em todas as instituições da Administração Federal, que apontam para uma manutenção das regras já existentes, para maior garantia da segurança jurídica. Afinal, em tempos de uma grave crise social e econômica, que já demonstra esgarçamento de algumas relações institucionais, uma grande preocupação é a de que não se instaure uma crise em nossa própria democracia.
Artigo elaborado pelo grupo de Direito Eleitoral de Mauro Menezes & Advogados